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João Bosco do Nordeste
Professor Mestre em Educação e Administrador empreendedor
Textos
A garçoneta do avião.
A “GARÇONETE” DO AVIÃO.

Na área de embarque para uma viagem aérea estava um homem bem vestido e um pouco tenso, esfregando muito as mãos e olhando para todos os lados, levantando e sentando nos bancos do aeroporto. Peguei uma água mineral e fui me sentar ao seu lado. Esperei que puxasse conversa, mas ele não tirava os olhos do celular. Muito introvertido, não falava nada.
Pouco tempo depois foi feita a chamada para embarque. Ele olhava para o bilhete na mão e procurava encontrar o número anunciado. Preocupado, perguntei qual era o número e vi que era o voo para o mesmo destino.
- É esse mesmo! Estamos juntos, vamos? – disse-lhe eu.  
Levantamos e fomos em direção ao portão de embarque. Eu na frente e ele atrás. Percebi que tudo o que eu fazia, ele repetia, parecendo que era um “passageiro de primeiro voo”.
- Pegue a sua identidade logo e coloque junto do ticket da passagem, pois eles vão pedir. Estou vendo pela numeração que a sua cadeira é na janela.
- Vou nada! Não quero ver nada lá embaixo, ainda mais que hoje de manhã o céu está claro.
Entramos na aeronave e ele ficou na fila do outro lado, com as outras duas cadeiras vazias. Quando os comissários de bordo avisaram que as portas foram fechadas, eu me levantei e sentei do lado do amigo, que estava na cadeira do meio, entre outras duas vazias, e começamos um diálogo.
- Tudo bem? – perguntei.
- Tudo mal. Estou todo suado aqui. Tenho quarenta e dois anos e nunca viajei de avião. Agora, por necessidade da empresa, estou viajando para fazer um curso de segurança. Não confio nesse negócio solto no ar e sem estrada. De vez em quando a gente ouve e vê falar na TV sobre acidentes. Só tenho nível médio, mas pelo menos sou técnico em segurança e uso muito o zap, para ver se fico mais tranquilo.
Realmente, ele tinha certa razão para o pânico, mas tentei acalmá-lo, falando acerca da segurança, comodidade e que esses desastres só ocorrem muito raramente.
Ensinei como amarrar o cinto e se acomodar na cadeira adequadamente. Ao levantar os olhos, viu as aeromoças e achou interessante.
- Rapaz, que garçonetas bonitas! – comentou baixinho.
Ao chamar as aeromoças de “garçonetas” surgiu em mim a vontade de brincar um pouco com o temor do amigo, para descontrair, falando umas mentiras.
- Elas só podem trabalhar nas empresas aéreas se forem solteiras.
- Não diga isso! É mesmo? – respondeu surpreso.
- Sim. Pode pedir tudo que você quiser para comer e beber, pagando na hora de sair da aeronave.
Mostrei o botãozinho para chamar a aeromoça e ele logo quis testar o serviço, como fazia nos ônibus. Ao chegar, a aeromoça perguntou.
- Pois não, senhor. No que eu posso servir?
- Quero um travesseiro e um lençol, porque já estou com frio.
- Sinto muito, senhor. Neste voo nacional não temos. Posso servir em outra coisa?
- A senhora tem zap? Eu poderia ficar pedindo pelo zap.
- Não senhor. Nem tenho zap e nem pode pedir nada por zap.
- Então arranje um colírio para botar no olho, que está ardendo.
- Não temos colírio. Só isso? – falou já com a voz mais firme.
- Então me traga um copo de água.
Ao sair, ele me disse que naquele não tinha nada. Não era assim que ele via nos filmes.
Imagine como eu estava sorrindo por dentro, uma coisa horrorosa. Educadamente, a aeromoça foi buscar o copo com água, mas quem trouxe foi um dos comissários de bordo. Ao receber o copo, perguntou ao homem se a “garçoneta” tinha saído do avião. Mas ele se esqueceu que as portas já estavam fechadas, como ela iria sair? Então o comissário informou:
- Não! Ela foi cuidar de outro afazer. Boa viagem!
E saiu. Para aumentar o pânico, eu pedi para que ele voltasse a se sentar no lugar certo, na poltrona da janela.
- É bom você ficar na sua cadeira certa, pois se o avião cair ninguém vai saber se a pessoa não estiver sentada na cadeira certa, pois cada passagem tem um número.
- Que merda é essa, rapaz? Vira essa boca pra lá! E tem isso? Vou voltar para a cadeira, mas vou fechar a tampa da janelinha, pois tenho medo de altura.
Orientei que ao subir, ele fechasse os olhos e tapasse os ouvidos, pois o barulho seria. Quando o avião decolou, foi exatamente o que ele fez.
- Subiu? Subiu? – perguntou de olhos fechados e com as duas mãos nos ouvidos.
- Subiu. – respondi.
Quando estabilizou, ele olhou para as costas da cadeira da frente e viu o saco de vômito e perguntou:
- Que negócio é esse? – perguntou.
- É um saco para colocar a merenda que eles vão dar daqui a pouco. (rs rs rs)
Com pouco tempo os comissários de bordo passaram com os carrinhos oferecendo bolachinhas como um lanche básico. Para ele eu pedi dois saquinhos de amendoim e falei:
- Pode tirar da embalagem e colocar no saquinho para ir comendo, pois a gente só paga na saída.

Ele comeu muito amendoim e pouco tempo depois deu vontade de ir ao banheiro, mas não quis ir naquele momento, com o avião tão alto, pois tinha medo de altura e disse que não queria olhar para baixo no buraco do sanitário. Eu concordei.  
Quando chegamos no aeroporto da cidade seguinte, o avião fez um pouso de escala. Ele perguntou se naquela hora poderia ir ao banheiro.
– Sim. – respondi.
Ele abriu a mochila que estava nos seus pés e pegou um rolo de papel higiênico. Apertou nas duas mãos e se levantou. Eu quase morri de rir (abafado, claro). Levantei-me e o levei até a porta do lavatório. Ensinei como abrir e fechar a porta e voltei a me sentar.
Quando ele voltou, o rolo de papel estava pela metade. Tudo bem, eu entendi. Falou aliviado:
- Quando o avião está no chão a gente não vê as nuvens embaixo no sanitário. Essa eu aprendi.
O avião levantou voo novamente, agora em direção ao nosso destino final. Na decolagem ele fechou os olhos e tampou os ouvidos novamente. Nas alturas serviram novo lanche rápido, mas ele não queria, com medo da caganeira e da conta, mas eu o tranquilizei, dizendo que eu pagaria as despesas daquela primeira viagem dele, e a viagem seria rápida. Ele aceitou e comeu o que ofereceram de novo.
No meio da merenda, ouviu-se a voz do piloto que avisou:
- “Atenção senhores passageiros, temos uma forte tempestade à frente. Vai haver turbulência. Por favor, apertem os cintos”.
Ele estremeceu:
- Como apertem os cintos? Eu já estou com o cinto muito apertado, e até os meus ovos já estão doendo. Será que a truculência vai molhar alguma coisa aqui dentro? – perguntou-me ele.
- Fique calmo. – eu disse (morrendo de medo também). É somente uma turbulência, que logo passa. O avião é muito rápido.
Poucos minutos depois o avião entrou na zona de turbulência daquela, balançando bastante e depois de uns 5 minutos voltou ao normal.
Ele confidenciou:
- Se o avião tivesse parado eu iria de novo ao banheiro. Ainda vai demorar? Acho que vou me cagar todo se demorar muito.
Ele não sabe se é banheiro ou sanitário. Não interessa, pois o que ele queria mesmo era cagar de novo.
Passada a turbulência, o avião começou o procedimento de descida no aeroporto.
- Pronto! Estamos voltando ao chão. – disse-lhe.
- Quando chegar ao aeroporto quero ir no sanitário. Aqui no avião eu não vou mais não, pois ele pode subir e eu não ver.
Quando o avião taxiou, os mesmos apressadinhos de sempre levantaram no meio do corredor numa bagunça extraordinária. Ele ficou surpreso:
- Pra quê tanta pressa? – O que será que essa gente quer com tanta pressa? Será que todos também querem cagar no aeroporto?
- Parece mesmo. Eles sabem que todos vão descer ao mesmo tempo quando abrirem as portas da aeronave, mas são apressados porque os sanitários não cabem todos de uma vez, e quem descer primeiro vai cagar mais rápido. Deve ser isso.
Quando começaram a descer, nos levantamos e andamos em direção à porta, encontrando um comissário de bordo e duas aeromoças desejando “boa tarde e volte sempre”. Ao passarmos por elas, meu amigo puxou a carteira de dinheiro do bolso, fez uma pose de milionário e disparou:
- Quanto foi a conta dona garçoneta do avião?
Uma olhou para os outros comissários, sorriu e entenderam aquilo como uma piada:  
- Já está tudo pago. Gostei da brincadeira senhor. Muito engraçado.
Ele olhou para mim e agradeceu:
- Você pagou? Muito obrigado.
A comissária concluiu:
- “Boa tarde e volte sempre”.
Andando, falou baixinho para mim: “boa tarde tudo bem, mas volte sempre, nunca mais. Vou voltar de buzu.”

- Conto do autor, no Livro Rapsódia de um contador de histórias, Editora Becalete, 2018.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 13/04/2015
Alterado em 27/11/2018
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