Os pombos e os palcos da vida
Certa tarde em nossas vidas eu estava voltando da padaria em direção ao meu lar, quando me deparei com uma revoada de pombos pousando na praça por onde eu passava. Não era costume os pombos fazerem pousada naquele local.
Parecia que a liberdade havia se instalado ali naquela praça, e através das suas asas poderiam ficar livres naqueles pousos fantásticos e decolagens surpreendentes. Chegar e sair na hora que bem quisessem era como uma canção entoada por sobre o álamo na rua bonita com um vistoso bulevar, uma moldura digna de um quadro da liberdade em amplidão.
Eu me via tão insignificante diante de tão meigas obras de arte do Criador.
O tempo mudou, mas não era prenúncio de chuva, entretanto naquela tarde o vento falava algo nos ouvidos das aves, pois a cada sopro elas se contornavam, avizinhando e se afastando umas das outras, subindo para levar o recado aos outros pombos que estavam sobre os telhados. Interessante é que se afastavam sempre em pares.
E eu ali parado, sem dar comida aos pombos, imaginando os diálogos e gestos entre aquelas criaturas que nem se davam por preocupadas pela minha presença. Viviam naquele mundo restrito ao convício aéreo, e sabiam que eu não as alcançaria, porque Deus não asas a seres inferiores na terra.
Naquele momento passou um velhinho e atirou-lhes algumas migalhas de pão. Foi um gesto bonito que os pombos agradeciam fazendo mil piruetas no ar. Era como se alguém as tivessem oferecido um tremendo banquete. Eles não são como a gente, pois se satisfazem com migalhas jogadas numa praça, quer seja ofertadas por jovens ou um velho qualquer, sem procurar sua origem ou destino, raça, religião ou partido político.
Como naquele momento a minha alegria já se fazia contagiante em mais pessoas que por ali passavam, eu consegui me aproximar mais um pouco e observei os olhares das pequenas criaturas dirigidos a mim, como se cobrassem algo. Elas sabem pedir, com humildade até no olhar. Não são como a gente, realmente.
A partir dai foi que eu pude perceber o significado de muita variação dos movimentos e apresentações daqueles artistas num palco no meio de rua improvisado, em mais uma tarde de muita inspiração. As migalhas de pão seriam os pagamentos daquelas apresentações de uma família tão grande?
Abri o saco que eu trazia embaixo do braço, dei um sorriso cheio de alegria e enchi a mão direita com a metade de pães, e reparti o alimento com os pombos, espalhando pelo chão as migalhas já cortadas pequenas e fáceis de comer. Aqueles eram os pães que eu havia comprado para levar para a minha família e estava alimentando outras famílias, dividindo e ao mesmo tempo sentindo deles uma grande euforia. Foi como se a mesa aumentasse e desse para o restante do rebanho que ficava em cima do telhado, esperando a hora de fazer o revezamento das apresentações para comer.
Em agradecimento um pombo veio e pouso em meu ombro, mas não se demorou, depois vieram mais três, um depois do outro. O que você faria nessa hora? Pois foi o que eu fiz também.
Depois de comerem e ficarem saciados eles voaram um bocado e foram na direção do céu. Todos se foram e não ficou mais nenhum pombo na praça.
Fiquei feliz, voltei à padaria e comprei mais um pouco de pão com o troco dos anteriores, depois subi o morro para voltar para casa, pois já estava anoitecendo, fui para o meu palco, levando a janta da minha família.
Se os animais irracionais se aproximarem de você, saiba que é porque eles confiam em você.
Se os animais racionais se aproximarem de você, primeiro veja se você confia neles.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 21/08/2014