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João Bosco do Nordeste
Professor Mestre em Educação e Administrador empreendedor
Textos
Pais estragadores de filhos
Era um início de noite de sábado, numa casa de festas da cidade de Literacity. Tudo lindo, muita comida, muita bebida, os avós eram aposentados de uma grande empresa petrolífera do país, e o pai de Juninho, um menino de apenas dois anos, era diretor de uma cervejaria, sendo a mãe uma dirigente sindical. Muito luxo.
A festa foi feita para agradar e surpreender a todos, com trenzinhos, palhaços, filmagens, pula-pula, praia de bolinhas, brincadeiras na piscina, muita comida e bebida.
Dentre os muitos convidados, estavam pessoas da alta sociedade e companheiros, finos profissionais.      
As brincadeiras entraram noite adentro com uns oito garçons distribuindo várias guloseimas, bebidas e sucos. Para os adultos champanhe, whisky e vinho importado, com sobra.    
Existia uma área separada do ambiente, onde estava centralizada a maior parte dos adultos, ouvindo somente músicas internacionais selecionadas, sendo servidos muito fartamente. Num ambiente daqueles, quem não queria estar? Segurança por todo lado interno e externo da casa. As crianças curtindo muito e os adultos satisfeitos.
Em torno das 20 horas, chegou a hora de apagar a velinha, e todos foram chamados para cantar aquela musiquinha: “Parabéns! Parabéns, pelo seu aniversário”. Corre-corre geral, com os palhaços fazendo uma corrente de crianças num ambiente extremamente limpo, e a fila alegre andava como se fosse um trenzinho. Muitos fotógrafos, banda de música infantil preparada num palco do salão principal, onde foi colocado um grande bolo, levaram a criança aniversariante já dormindo no colo do pai, ao lado da mãe, pois quando chega o sono, nada melhor do que um colo de pai ou mãe.  
Sussurrou o professor convidado, que estava com seu filho de cinco anos brincando a valer com os amiguinhos: “Criança não sabe dar valor a essas coisas nessa idade. Cada um gasta o que quer, claro, mas que é uma festa absurda para uma criança de apenas dois anos, isso é”. E foi se afastando daquela aglomeração, observando que no outro canto da sala estavam sentados num grande sofá uma senhora com dois meninos, quase obesos, um de cada lado, com idades entre oito e dez anos, mais ou menos, cada um com o “tablet” nas mãos e cabeça abaixada, jogando.
Enquanto o mestre olhava sem entender, passou um rapaz de cá para lá, com uns trinta e poucos anos de idade, levando numa mão uma bandejinha com doces e salgadinhos, e na outra, copos de sucos de cores diferentes. Entregou à mulher e retornou pelo mesmo caminho, passando perto do professor, que curioso perguntou:
- Desculpe amigo, aquela senhora é sua parente?
- Minha esposa.
- E os meninos são seus filhos?
- Sim. São Wesley e Wisley. Está vendo? A mãe acha que depois que eles receberam aqueles “tablets” ficaram mais quietinhos nas festas, graças a Deus. Até o início do ano eles brigavam tanto, que ninguém queria levá-los a lugar nenhum, mesmo assim, depois que receberam os aparelhos, a mãe ainda tem de ficar entre os dois para não brigarem.
- Mas eles não brincam com as crianças da idade deles numa festa tão rica dessa? – retrucou o professor.
- Quem dera! A mãe prefere que fiquem assim. O senhor não sabe quem são essas feras, filhos da rainha leoa. São umas onças e pragas de baratas. Envergonham a gente em todo lugar. Brigam sem qualquer razão.
- Entendi. Pirraça pai e mãe - respondeu sussurrando e triste o professor, que saiu andando um pouco sem rumo, depois de ter falado com o pai daquelas “crionças”. Andou até a toalete e pegou uma quantidade de papel higiênico, sacou sua caneta do bolso do paletó, e foi sentar numa área verde perto da piscina, pensando escrever aquela cena.
Foi lá dentro e olhou de novo a mulher com a bandeja na mão, empurrando pedações de comidas na boca de um e na boca de outro, que botavam para dentro como se fossem animaizinhos, sem a menor noção do sabor que estavam engolindo sem mastigar.
Como todo escritor é louco e um pouco fofoqueiro, sentou a caneta no papel higiênico e escreveu essas tristes linhas, pois sabe que, por ser uma situação tão comum no século XXI, ninguém vai se chocar. Resolveu registrar para que você, leitor, acredite que tem muitos pais estragando filhos por aí, e depois não vão saber como consertar.
Uma festa absurdamente cara, sem a criancinha naquela idade curtir quase nada, e mais de trezentos convidados em trajes finos, desfilando numa festa infantil. Foi demais!
Os psicólogos e psicanalistas de crianças continuam ganhando muito dinheiro e aumentando os espaços de atendimento em suas clínicas, pois andam pesquisando por festas e shoppings, e sabem que muitos clientes ainda estarão chegando.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 14/05/2016
Alterado em 08/08/2021
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