O roubo da bola de praia
Um menino pobre de 8 (oito) anos, do interior, tinha como sonho ter uma bola, pois até aquela idade os seus pais nunca puderam lhe dar nos Natais.
No final de determinado ano ele foi levado à casa do tio Erázio na capital do Estado, ali pelos dias do natal. Sabendo do sonho do menino, o tio comprou uma bola colorida e cheia de estrelinhas para o sobrinho e para o seu filho, colocando de madrugada no quarto, em cima da cama de cada um.
Pela manhã de domingo, ao serem acordados e chamados para ir comemorar o Natal na praia, o primo não quis levar a sua bola novinha, pois o plástico da bola ainda estava cheirando, deixando-a guardada dentro do guarda-roupa. Mas o menino muito mais do que alegre e satisfeito, não queria se livrar do presente em nenhum momento, e preferiu levar a bola para brincar na praia. Foram os três, alegres e saltitantes. O tio gostava também de brincadeiras, como um meninão de 44 anos.
Chegando à praia, ficaram num local afastado dos banhistas, sentados na areia brincando, jogavam a bola de um para o outro. Pense numa felicidade!
Cansados, o Tio perguntou quem queria picolé, pois o sol de 11 horas estava muito quente. Avistaram um picoleteiro na calçada, fora da areia da praia, levantando-se, o tio e o filho foram comprar o gelo doce. O sobrinho ficou sentado esperando, olhando as roupas, segurando a bola, e os dois saíram para comprar os picolés.
- Tragam um de baunilha para mim. – pediu o menino.
Rolando na areia com a bola, conversava parecendo que era uma pessoa da família. Nunca havia tido uma bola. Mas como a alegria de pobre dura pouco, eis que chegou um rapaz com roupa da marinha e pediu a bola.
- Menino, ô menino! Me dá essa bola, menino! Aqui não pode jogar bola, menino. A bola pode ferir as pessoas na praia, menino!
- Quem é o senhor todo de branco? – perguntou o menino.
- Sou marinheiro fiscal da praia. Nesta praia não pode jogar bola, para não machucar as pessoas.
- Mas a bola está parada num buraco aqui na areia! – Reclamou a criança.
- Não tem jeito, mande seu pai comprar outra, pois essa aqui já era.
O menino olhou e viu outros adultos com bolas, jogando na praia logo ali na frente. Por que só a dele, uma criança pobre não podia? Ele ainda era muito jovem para entender certas coisas de adultos. Somente quando tivesse mais idade iria compreender. O rapaz de branco levou a bola.
Pouco tempo depois o tio voltou com os picolés. Sendo informado do ocorrido, ficou chateado, andou em direção para onde o ladrão da bola levou, mas voltou sem recuperar o brinquedo. Não podendo dar jeito, prometeu que no outro Natal compraria outra bola para aquele sobrinho.
Voltaram para casa, mas o presente de Natal seria somente um ano depois.
No dia seguinte voltou para o interior. No ano seguinte o tio faleceu antes do Natal.
Alguns anos depois, já aos 12 anos, num mês de Julho começou a trabalhar à tarde, numa loja de equipadora de veículos, sempre depois de voltar da escola e almoçar, colocando paralamas nos pneus traseiros dos caminhões, entrando debaixo dos carros, ganhando por produção.
Cinco meses depois de juntar um dinheirinho, no dia 24 de dezembro, foi à rua procurar onde vendia bola daquelas da que ele havia sido roubado. Entrou numa loja de departamentos e ali estavam várias bolas iguais àquela que levaram dele. Perguntou o preço, meteu a mão no bolso, contou o dinheiro. Dava para comprar quatro unidades.
Comprou as bolas, levando-as para casa, e no dia seguinte, pela manhã, pediu ao seu pai que pegasse a bicicleta e o levasse ao bairro ainda mais pobre ali perto. Chegando lá, viu algumas crianças brincando num lamaçal, correndo atrás de uma bola feita de meia e pedaços de pano. Abriu o saco que estava em suas mãos e chamou os três mais velhos, com idades em torno de 10 a 12 anos. Entregou as bolas e disse:
- É para vocês brincarem.
Todos olharam e receberam com espanto e carinho, pulando de alegria.
Ele disse:
- Quando vocês perderem alguma coisa é porque Deus assim consentiu. Mas o que for de vocês de verdade, Deus vai fazer com volte para vocês. Quem levar o que é seu não vai poder impedir que você obtenha de volta depois.
Vão brincar! A vida não é sempre uma grande brincadeira.
- Conto do autor, no Livro Rapsódia de um contador de histórias, Editora Becalete, 2018.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 28/05/2018
Alterado em 27/11/2018