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João Bosco do Nordeste
Professor Mestre em Educação e Administrador empreendedor
Textos
O padre caixeiro viajante
O PADRE CAIXEIRO VIAJANTE

Na cidade de Literacity, interior de Bracity, havia muitos povoados distantes, formados por populações rurais, com suas comunidades religiosas.
Algumas vezes por ano, a comunidade Passagem do riacho seco fazia uma festa de batizados. Era uma época perto do São João. O povo animado com o milho e o feijão, depois das chuvas daquele ano. As barracas estavam sendo construídas para o domingo, quando iria ocorrer pela manhã os batizados de cinco crianças, tendo ainda a festa da quermesse em arrecadação de dinheiro para os trabalhos sociais da comunidade.
Ali, no meio de montanhas, não tinha telefone fixo e nem antenas de celular. Um fim de mundo em estrada de chão, poeira e carvão.
Na sexta feira passou uma van de transporte alternativo e o motorista disse que a paróquia da cidade mandou avisar que estava tudo certo, e que um padre novo chegaria domingo pela manhã, para fazer os batizados.
Na noite de sábado caiu uma tromba d’água que quebrou as pontinhas, as pinguelas e os mata-burros da região, enchendo o riacho e alando tudo, ficando o povoado sem comunicação por terra com a cidade. Ao amanhecer no domingo, a chuva deu uma trégua e o sol botou a cara ás sete horas da manhã.
No meio da estrada ficou atolado um carro de um caixeiro viajante com seus cinquenta anos, rosto sério e voz serena, que estava passando pela primeira vez por aquela região desde a noite passada, a fim de cortar o caminho para ir vender seus produtos de confecções na feira marcada para aquele domingo pela manhã noutra cidade, do outro lado das montanhas.
Desde as primeiras horas da manhã os moradores já estavam se ajudando para consertar os estragos da chuva, para que não prejudicasse a festa.
Quando o caixeiro viajante entrou na comunidade lá para as 9h com o carro cheio de lama e sozinho, as pessoas foram correndo em direção ao carro gritando:
- “É o padre!”. “É o padre!”.
- Venha padre! Vamos para a Igreja fazer os batizados. Chegou na hora certa, e o povo está esperando.
O caixeiro viajante ficou numa “sinuca de bico”. Ainda tentou explicar:
- Eu não sou padre.
- Não importa. Monsenhor, diácono, presbítero ... Não importa. A festa só começa depois dos batizados. - Explicou a beata santinha.
Como fazer num situação daquela? E se o verdadeiro padre chegasse?  
- Como está a estrada daqui para a frente? – perguntou aquele “padre”, preocupado com a sua saída do local.
- Ninguém entra e ninguém sai. As pontes caíram. Só depois que as águas abaixarem.
Como haveria de ficar ali mesmo, pensou em ser útil, abriu uma das malas que estava no fundo do carro, pegou uma roupa que vendia nas feiras, parecida com a de um padre, e foi para a sacristia da igreja se vestir.
- Do que o senhor vai precisar? – perguntaram as beatas.
- De água.
- Isso é o que mais temos hoje aqui em nossa comunidade. – Respondeu sorrindo uma beata.
Os fiéis foram chegando com as famílias e as crianças. A igrejinha estava lotada. Ouvia-se o barulho de fogos. O leilão e tudo mais estavam prontos para a quermesse.
- Como é o nome do senhor? – perguntou uma beata.
- Mateus. Sabe por quê? Meus pecados são maiores que os teus.
- Que padre brincalhão. – disseram as beatas, sempre sorrindo.
Então começou a celebração. Só teve em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo e a pregação sobre a vida, as chuvas a seca no sertão e o que era mais importante para as famílias, pois era dessas coisas que o caixeiro viajante falava nas feiras e ouvia às vezes quando ia a alguma missa aos domingos. Começou a pregação:
- Neste dia que tudo parece ser, mas nem tudo é o que parece quando a chuva cai e a terra está encharcada, depois de muito tempo de seca no sertão, precisamos dizer para todos que os olhos são as janelas do coração das almas empenadas, conforme diz o livro do saber, que é a Bíblia, as predominâncias da necessidade é preciso para que se bata na porta e ela se abra, para que o Senhor tenha grandes chances de ouvir e entender, o que é um erro bastante comum, por ser tão maravilhoso os resultados que concentram a abordagem no potencial de cada um batizado, pois a água lava por fora, mas Deus lava por dentro os pecados de quem é batizado, para que depois receba os céus nos braços, num ganho de eficiência, sabendo a hora de mudar e seguir em frente quando a estrada está muito atolada. Fico atento aos possíveis sinais de quem nos ouve, sem ficar ansioso demais, abrindo os braços a novas possibilidades de receber um sim em condições mais favoráveis, do que um não, tornando-se um amigo de Jesus sem forçar a barra da desconfiança, desde o ventre da mãe, podendo considerar como uma zona de conforto antes de sair, mas pegando estradas de todo tipo e desconhecidas até o final da vida, usando tudo aquilo que lhe for oferecido para o bem de todos. Quanto mais barato poderem comprar, melhor será, mesmo que aumente o preço da água e da luz, o mais importante é estar na luz e na chuva de Jesus e permanecer com a ideia da salvação. Por falar nisso, cadê a água? - Assim concluiu seu discurso.
Aqui para nós, esse discurso é de vendedor de meio de feira, não é?
As ajudantes dos batismos, conhecidas como Ministras do Batismo, ajudaram o tal “padre” fazer os batismos.
Ele falou baixinho: - “Eu jogo a água e vocês falam”.  
- Falar o quê? Retrucaram duas delas.
- Ora! Eu não vou ensinar aqui agora como se faz um batismo. Vamos, falem o nome das crianças e o resto que se fala nos batismos:
Elas em coro diziam:
- Anita, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito santo. Vai ser cada vez mais bonita!
O “padre” jogava a água na cabeça da criança. E assim foi com Belo, Luan, Valesca, Tiaguinho e Xande.
Ao terminar, o “padre” virou para as Ministras, entregou o microfone e disse que elas poderiam encerrar os batizados daquele ponto em diante. Elas rezaram um Pai Nosso, agradeceram ao “padre” e encerraram os batizados, realizados em menos de 30 minutos, mas a festa estava salva. Novos e mais fortes fogos foram ouvidos, agora em maior quantidade.
Já passava um pouco das dez horas da manhã. Trouxeram um prato de feijoada para o “padre” lá numa barraca do lado de fora da igreja, pois todos sabiam que ele devia estar com fome e cansado.
Ele comeu e avisou que iria colocar seu carro um pouco fora dali, para que pudesse descansar um pouco. Todos concordaram.
Ao chegar na saída da cidade, vinha entrando uma camionete C-10 toda suja, com uns romeiros em cima, que vieram para a festa. Ele quis saber como o carro passou de lá para cá, na direção da outra montanha, para onde ele iria. Para sua surpresa, ouviu que a chuva para lá foi bem pouca, e que daria para passar pelos riachos secos das pontes caídas.
Ele não contou conversa, enfiou o pé no acelerador e nunca mais o viram por aquelas bandas.
Pensa que terminou? Não!
Alguns dias depois, uma líder comunitária foi fazer umas compras na cidade e agradecer ao Pároco da igreja pelo padre que esteve na comunidade fazendo os batismos. O religioso estava na sacristia, sentado e escrevendo. Qual foi a surpresa!
- Obrigado Monsenhor, pelo padre que o senhor mandou no domingo passado, mesmo com toda aquela chuva.
- Como? Quem? - Respondeu preocupado o Monsenhor. Quem iria era o padre Abelardo, que naquele dia nem saiu do mosteiro com tanta chuva de sexta até domingo. Ele pediu para marcar os batismos para o próximo mês. Ficamos sem comunicação com vocês. Foi bom você ter vindo aqui avisar.
Então explicou a beata:
- Realmente, no dia da nossa festa caiu um toró que derrubou as pontes e encheu tudo de água, mas o padre chegou lá com o carro cheio de lama, fez os batismos e a festa foi uma maravilha. O que ninguém entendeu foi que ele sumiu logo depois da celebração. O nome dele era Mateus.
O Monsenhor gritou:
- Milaaaagreeeeeeeee!
E caiu da cadeira desmaiando debaixo da mesa onde estava sentado.

- Conto do autor, no Livro Rapsódia de um contador de histórias, Editora Becalete, 2018.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 30/05/2018
Alterado em 28/11/2018
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