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João Bosco do Nordeste
Professor Mestre em Educação e Administrador empreendedor
Textos
Piloto automático de um ônibus
PILOTO AUTOMÁTICO DE UM ÔNIBUS


Para fazer uma viagem de ônibus interestadual na década de 80, estava um rapaz de 22 anos na rodoviária para uma viagem noturna. Foi comprada a passagem para as 22h30, com a previsão de chegar ao destino às 6 horas da manhã. Como era um dia de domingo, esse passageiro havia dormido a tarde inteira, depois de um almoço de comemoração de aniversário de uma pessoa da família, regado a muita cerveja.
Na hora prevista chegou o ônibus, entraram uns passageiros e saíram outros. Uns até trouxeram seus travesseiros, para fazer o trajeto num sono só. Nessas viagens alguns passageiros também gostam de beber conhaque ou cerveja antes, para se apagar quando o ônibus começa a rodar, e assim estavam mulheres e homens se encharcando na rodoviária.
O nosso passageiro muito observador, descansado, viu que o motorista foi até a lanchonete e tomou um copo de café, esfregando muito os olhos. Aquilo era normal? Não sabia.
Tudo certo, o ônibus sai da rodoviária e a viagem começa a partir daquele ponto. Com poucos minutos já dava para se ouvir os primeiros roncos masculinos e femininos. No decorrer do tempo haviam alguns trechos sem qualquer trânsito e o que se ouvia era apenas o barulho do motor do carro numa noite escura clareada apenas a parte da estrada com os faróis do ônibus.  
O nosso passageiro olhava para frente da estrada iluminada clareada pelo espaço entre as cadeiras de um lado e de outro, no meio do ônibus. A partir das duas horas da manhã, mais ou menos, ele começou a perceber que o carro fazia zig zag saindo da pista certa e entrando na contra mão, e vice-e-versa. Não podia ser! Era uma miragem ... uma enganação ... um sonho e não uma realidade. Pensava o passageiro acordado.
Como o zig zag estava aumentando, ele resolver se levantar e conversar com o motorista:
- Boa noite motô!
O motorista tomou um susto.
- Oi rapaz, o que é?
- Estou vendo que você está andando em zig zag nessa estrada deserta. Todo mundo está dormindo e ninguém está vendo, somente eu, que não estou com sono. Está com algum problema?
- Sim. Eu estou morrendo de sono e acho que vou virar este ônibus.
- O quê? Você é louco? O ônibus está quase lotado. Pare o carro num acostamento ali na frente, pegue o martelo de madeira e faça de contas que vai testar a calibragem dos pneus. Lá embaixo a gente conversa.
- Tá certo.
Parou o carro e descemos nós dois. Lá fora, na escuridão somente com os faróis acesos eu disse que ele entrasse e se sentasse na cadeira do motorista reserva, que eu ele iria levar o ônibus até a próxima cidade, onde ele iria descer. Dali em diante, o motô retomaria o volante. Foi então que ele explicou o que estava ocorrendo.
- Rapaz, cheguei hoje à tarde de uma longa viagem, dirigindo por 9 horas seguidas, e o motorista que viria com esse carro para esta viagem não apareceu. O gerente mandou que eu descansasse duas horas e pegasse este carro. Eu disse que sozinho eu não aguentaria, mas não quiseram saber. Tive de trazer o carro. Você tem quantos anos? Tem carteira de motorista?
- Tenho vinte e dois anos e quatro anos de carteira. Vou devagar, não se preocupe. Já dirigi ônibus na cidade.
Assim fizeram. Entraram no ônibus com todos os passageiros ainda dormindo.
O carro continuava ligado, então engatada a primeira marcha, a viagem seguiu seu roteiro, enquanto o motô dormia pesadamente ali na poltrona ao lado, do motorista substituto.    
Perto das quatro horas da manhã já estávamos chegando ao destino, cidade na qual aquele “motorista” iria ficar, passadas as duas horas de viagem tranquila, com todo mundo dormindo, quando chegou na entrada da cidade ele parou o carro e chamou o motô, para que ele pegasse o martelo e fizessem a troca de posição no volante:
- Motô, pegue o martelo, desce novamente, pois já estamos entrando na sua cidade. O motô acordou e desceu para desfazer a troca. Deu um abraço no rapaz e mais descansado, pegou o volante de volta e chegou até a rodoviariazinha. Desceu, tomou um café de copo cheio com coca cola. Só faltava agora mais três horas para chegar ao destino final e o sol dentro de poucas horas iria mostrar a sua força e claridade.
Conversaram ali na lanchonete e eles se tornaram grandes amigos, com 20 anos de diferença de idade, sempre procurando o morador daquela cidade, aquele salvador da pátria, quando passava de ida ou de volta naquele trecho. A empresa jamais soube desse ocorrido, pois não teve testemunhas, a não ser a lua, que nos acompanhou durante toda aquela noite.
Essa ficção poderia ter sido uma realidade, ou essa realidade poderia ter sido apenas uma ficção, mas o que fica mais bonito nessa história é que quando não é a hora de morrer, os Anjos mandam um doido, com apenas 22 anos de idade para salvar tantas vidas e que os passageiros nunca souberam.
Faça a diferença. Seja também um Anjo quando puder ajudar no que lhe couber.

- Conto do autor, no Livro Rapsódia de um contador de histórias, Editora Becalete, 2018.
João Bosco do Nordeste
Enviado por João Bosco do Nordeste em 30/05/2018
Alterado em 28/11/2018
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